Contos de Gaia:
A caneta e a espada
Os Vendianos são conhecidos por sua inteligência...
Mas Ludwig Lutero fez de Murada uma vitrine, mostrando para o mundo que nem todo nômade tem apenas cérebro.
Nasceu e cresceu nas montanhas, a garota desde cedo mostrava uma certa aptidão para atividades físicas. Sempre se destacava na escola com sua potencial estamina, mas acabava deixando a desejar no resto.
Os professores já a viam como um problema. Alguém que não poderia contribuir com a comunidade nômade, e as falações alheias sempre deixavam a pequena triste.
Seus pais eram engenheiros capazes, com um vasto currículo de projetos. Ajudaram até nas manutenções e melhores de Cortacéu, o que deixaria qualquer Vendiano orgulhoso! Mesmo assim, sabendo que sua filha talvez não herdaria a paixão da família, eles não deixavam de encorajar a garota a seguir seu próprio caminho. Porém, ao ficar mais velha, a sociedade começou a cobrar mais de Ludwig, e, aos 15 anos, não conseguindo preencher nenhum requisito de atividades em nenhum dos postos básicos de sua cidade, ela decidiu que o caminho da espada era mais certo do que o caminho da caneta e do papel.
Ludwig estava em sua adolescência quando a primeira máquina massiva, Motorterra, cidade onde ela morava, foi finalizada. O fato de ela morar em um local que vivia em movimento, mudando de localização vagarosamente no decorrer do ano, dificultava a possibilidade de uma rotina de treino em um ambiente selvagem. A garota então começou a treinar nos becos e esgotos da cidade, onde havia o mínimo de vida selvagem, enfrentando criaturas não tão ameaçadoras assim, como Toupeiras de Motorterra (uma Toupeira Vendiana de pequeno porte e mais suja) e Ratos Fumacentos.
Sua dedicação junto a sua mobilidade, característica principal de um vendiano, estava dando frutos, porém, seus pais perceberam que Ludwig estava passando muito mais tempo com sua espada do que com sua caneta, e insistiram para que ela balanceasse os seus esforços. Afinal de contas, quão longe chegaria um cavaleiro sem instrução? Por mais que o caminho da espada exigisse um esforço físico maior do que o intelecto, um guerreiro inteligente poderia chegar ainda mais longe. A garota então começou a balancear.
Suas notas na Academia de Motorterra melhoraram. Parecia que ela só precisava do incentivo certo para melhorar nas coisas que não gostava de fazer. Frases como “Você pode ir para Murada, um dia. Ser uma Mão do Rei!” deixavam-na nas nuvens.
Dois anos depois, ao fim de seu percurso acadêmico, a garota se formou com êxito, uma das primeiras de sua turma, e já era considerada uma das maiores espadachins que sua cidade já viu.
Sua formatura não teve baderna ou festanças. A garota foi para casa arrumar suas coisas e já estava com a cabeça decidida de que deveria partir. Seus pais, sempre apoiando, se despediram de sua filha assim que a deixaram no Império de Murada, uma viagem que não demorou muito a ser feita dentro de um veículo vendiano de família.
A garota percorreu o continente todo a pé, enfrentando todos os obstáculos que viu pela frente sem sequer suar. Sua forma física era impecável, não havia como detê-la.
Em meio a uma de suas noites, ao fuçar suas trouxas para arrumar-se para dormir, encontrou uma pequena bolsa com um amontoado de peças e um bilhete. Ela não havia colocado aquilo em seus pertences de viagem. Ao abrir, o bilhete dizia:
“Ludwig,
Esta trouxa é a prova final de sua capacidade como Vendiana. Nela contém o meu presente e última bênção para que você trilhe seu caminho com sucesso.
Use-a para a prova final de seu sonho e mostre para o mundo todo que nós, Vendianos, podemos ser bons tanto na caneta, quanto na espada.
Com amor, papai”
A garota derramou uma lágrima de felicidade ao terminar de ler, mas ainda não sabia o que eram aquelas coisas. Pequenas partes de cilindros e engrenagens, baterias e fios de minérios. Certamente ferramentas para que construísse alguma coisa, mas o que?
Dias em claro, estudando todos aqueles itens. Algumas partes encaixavam, outras nem tanto. A tarefa estava difícil, mas ela já tinha ideia do que precisava finalizar.
Uma espada! Mas não era convencional… “Como vou finalizar?”
Refletindo sobre seu passado, em como seus pais deixavam a garota traçar o seu caminho sozinha, aprendendo suas próprias lições, ela entendeu que não havia uma forma correta de finalizar aquela tarefa. Seu pai havia deixado aquelas peças para que ela conseguisse montar, de sua maneira, um item que fosse lhe servir da melhor forma. Da forma que ela precisasse que servia.
Começou a montar com uma outra visão, dessa vez do zero, analisando peça a peça, separadamente e com calma, assim como seus pais faziam em seus projetos de que tanto se orgulhavam. Após outros longos dias, estava finalizada. Um sabre único, uma arma Vendiana, digna de uma guerreira de seu calibre. Ludwig batizou a lâmina de “Criaventos”.
A espada era charmosa, com uma pedra vermelha em sua empunhadura. Os minérios que revestiam a proteção da lâmina eram resistentes. Ao ser ativada, a lâmina tremia em uma alta frequência, causando vibrações invisíveis ao olho nu, e que, ao impacto, rompiam qualquer pedra sem esforço. A segunda função da espada, a função que originou o nome, fazia com que a lâmina empurrasse o ar para frente, em um raio fino, criando uma fenda de vento que cortava a distância.
Ela estava pronta para seguir.
Chegando em Murada, Ludwig logo se inscreveu para o Teste da Lâmina.
A cidade estava cheia de pessoas que pareciam ser capazes, mas logo todos estavam falando da garota de cabelos prateados que tinha uma arma incomum. Seria ela uma azarona?
Os testes foram fáceis. A garota enfrentou oponentes como Sir Barion (em sua forma jovem) e venceu sem dificuldades. Foi a primeira vez na história que uma pessoa eliminou todos os participantes na fase de entrada e foi declarada vitoriosa. Não havia como não ser.
Ludwig Lutero, a mais nova Mão do Rei, vencedora do Teste da Lâmina mais rápido da história de Murada, serviu bravamente por um ano inteiro.
Sua contingência foi suspensa quando, depois de analisar o seu histórico e suas habilidades, o Rei apontou a garota como nova integrante da Távola dos Cinco.
Sua forma brutal de combate fazia um contraste inesperado com sua cordialidade e disciplina, sem mencionar que sua inteligência e habilidades políticas eram sem comparação - pelo menos na sua idade e entre outros guerreiros e cavaleiros reais.
Ludwig tornou-se uma peça chave para a diplomacia do Rei, que nem sempre era sábia e pacífica. Porém, ele tinha a garantia de que, quando a caneta falhasse, a espada não falharia.