Contos de Gaia:
O camponês sonhador
A chuva nunca parava em Garônia...
E mesmo assim a vida seguia como, como se a agua gélida dos campos ao redor de Murada sequer existiam. As famílias do vilarejo de Garônia
trabalhavam arduamente para fornecer insumos e alimentos para a capital humana. Essa era a vida que todos que nasciam e cresciam ali eram destinados a ter: Nascer, crescer, plantar, colher e morrer.
Todos, inclusive Barion Rosenberg Filho.
Muito jovem, Barion sonhava em pertencer a realeza, trazer fortuna e honrarias para a sua família humilde, que há gerações provia para a capital, sem nunca reclamar ou mudar a rotina. O sonho dele (e de todo garoto) girava em torno do brandir das espadas e da glória, já que não havia sangue real em suas famílias para que a linhagem pudesse lhe ser útil de alguma forma.
Barion treinava sob todas as luas, sempre após a colheita, sem cessar. Suas mãos de agricultor ajudavam a segurar com força a empunhadura de sua espada velha e enferrujada, herança de seu avô, que uma vez fez parte da patrulha da cidade. Porém, o orgulho de seu avô era a decepção de seu pai, que não via utilidade em servir ao Rei e não servir a sua família.
Barion Rosenberg Sênior, o mais dedicado do campo, não via honra na vida da espada, e quando os vinte anos de seu filho chegaram, vieram também os conflitos, sempre seguidos do clingar da lâmina de seu primogênito.
- Largue isso, rapaz! depois de vinte anos ainda não enxerga que o caminho que seu avô seguiu não ajudou em nada a sua família?! Vai querer trazer desgraça ao nosso nome mais uma vez? Largar a sua mãe e eu, velhos, pra fazer o trabalho que um jovem forte como você poderia dar continuidade?
- Meu pai, este é o meu sonho! Eu carrego o senhor e a mãe em meu peito, mas a mão que vai sobre ele será jurada para proteger o rei! E eu sei que meu esforço dará frutos! Eu vou fazer nosso nome prosperar!
O pai não aguentou ouvir o fim da frase e ficou enfurecido. Estava farto! "Para sustentar o seu sonho, deverá também sustentar sua boca e suas forças!", disse enquanto jogava as roupas e trouxas do rapaz para fora do casebre de barro e madeira.
A Vida do jovem Barion em murada começou cedo. Dormindo perto de estábulos, oferendo serviços para tratar animais e patrulhas leves, particulares, para ganhar algumas pratas. Ficou nesta vida por seis meses, até que foram anunciados os Testes da Lâmina.
Barion se inscreveu as pressas e treinou, treinou e treinou mais do que jamais havia treinado. Ao sentir que estava pronto, se inscreveu no torneio e aguardou ansiosamente o dia em que sua vida mudaria, porém, nada foi exatamente como ele esperava. Barion foi derrotado na primeira fase dos testes, e não conseguiu avançar para a fase seguinte. Foi vencido por uma garota de cabelos prateados, que parecia estar realmente empenhada em seguir adiante com a vitória. O curioso é que ele havia sido poupado em um torneio onde a vida e a morte não importam.
Derrotado, Barion se retirou do coliseu, mas não sem antes ser interrompido por um oficial da polícia de Murada, informando que o capitão gostaria de lhe ter uma palavra.
- Eu vi do que você é capaz, rapaz. Olha, aquela garota prateada era fora do comum, eu tenho minhas dúvidas se alguém ali conseguiria acabar com ela, mas veja... Você tem potencial. Eu reconheço um guerreiro quando eu vejo um e, bom... Estou olhando para um, agora.
Capitão Jõhtum (ioutum, na pronúncia livre) simpatizou com Barion e ofereceu um alistamento indicado. Seria um começo simples para o garoto, mas que permitiria que ele desse vários passos em direção ao seu sonho.
Barion se manteve na polícia de Murada por longos 26 anos. Recebeu promoções, condecorações e honrarias, do jeito que falou ao seu pai que receberia. Mas a sua ambição ainda não havia descansado. Seu sonho não era ter uma patente alta na polícia ou ter sucesso em uma corporação.
Seu sonho era a grandeza, a riqueza e honrarias em seu nome. General Rosenberg era um nome que lhe soava bem, com certeza, mas ser uma Mão do Rei era o ápice de seu objetivo!
Barion decidiu então, mais uma vez, voltar aos Testes da Lâmina.
Estava bem mais velho, grisalho, de corpo pesado, talvez sequer fosse páreo para os jovens que estavam entrando naquele ano. Ele tinha sua torcida do seu lado, os cidadãos da cidade que durante todos aqueles anos ele protegeu com afinco, porém, sua condição física não parecia ser das melhores. não PARECIA.
Barion dançava, numa mistura de elegância e força bruta, em meio aos competidores. Era experiente. Todos os anos servindo nas forças policiais renderam mais do que o treinamento isolado que fez quando era mais jovem. Ninguém ali tinha chance! A torcida delirava, chamavam seu nome aos berros "Vai Barion!! Nós acreditamos em você!!", berros que ecoaram até que somente ele ficou de pé em meio a todos os participantes.
Não houve oitavas ou quartas de final. A dança de Barion foi certeira. Os que não morreram ficaram impossibilitados de se levantar. A chuva começou a cair na arena, limpando o sangue de dezenas de homens caídos e lavando a alma de Barion, que agora finalmente era uma Mão do Rei, abençoado pelo próprio Rei.
Sir Barion Rosenberg de Garônia!
A vida de Barion mudou drasticamente de um dia pro outro, e para melhor! Jornais e revistas queriam entrevistas, bebês batizadas com seu nome e uma onda de crianças que sacudiam espadas de madeira em meio a praça dizendo que queriam ser "Sir Barion o Retalhador!", disputando para ver quem carregaria o nome naquela brincadeira.
Ele aproveitou a fama e, meses depois, assim que as papeladas e sua vida nova estavam em dia e finalmente normalizadas, decidiu visitar Garônia novamente. Depois de todos aqueles anos, estava na hora de mostrar para o pai, que ele nunca deixou de amar, mesmo depois que foi expulso, que a honra da sua família finalmente havia chegado.
Garônia não era exatamente perto de Murada, mas também não era longe. A cavalgada levou algumas horas, mas ele finalmente chegou. Sua armadura reluzente podia ser vista de longe, e ao chegar no vilarejo, todos queriam tocá-la, para saber como era carregar o peso da decisão do rei nas costas.
Barion Sênior o avistou de longe, e com lágrimas, recepcionou o filho.
Ele disse que havia se arrependido no primeiro momento em que o colocou para fora, mas o orgulho o fez nunca olhar para trás ou buscar o perdão do garoto. "Que bom que o seu amor foi mais sábio do que o seu velho..." dizia chorando. E assim eles terminaram a noite, bebendo e ouvindo as histórias de Sir Barion perto da lareira de barro, enquanto comiam um ensopado de sua mãe, que tinha o mesmo gosto que ele se lembrava.
No dia seguinte, Sir Barion levantou e juntou suas coisas. Despediu-se de sua mãe e de seu pai, não sem antes o convidarem para mudar para a cidade. A vida deles havia mudado, de fato, e agora era apenas uma questão de tempo até a riqueza começar a preencher os bolsos de todos na família.
Quando saiu da casa, o jovem Rosenberg notou que o céu estava estranho demais. Seco. As nuvens corriam rápido, mas não havia garoa.
"Quando foi que parou de garoar em Garônia, meu pai?"
"Cuidado, garoto!"
Das nuvens, um dragão dos ventos desceu rasgando. O céu pintado de cinza permitia ver apenas um borro verde cruzando os ares. Era muito veloz!
"Voltem para suas casas!" Alertou o jovem Sir, mas duas pernas comparado a duas asas era covardia.
O rasante era potente, as casas atingidas pelas patas do dragão se despedaçavam no ar. Corpos voavam, aos poucos a paisagem ganhava tons vermelhos. Eram muitas vítimas.
Sir Barion saca de sua espada montante, dá um tapa na traseira de seu cavalo, que desaparece colina acima, mas ao virar para finalmente enfrentar a criatura de frente, um último rasante atinge a casa dos Rosenberg, explodindo seus pais no impacto.
"NÃO!!"
Só havia ele e a criatura, agora. A posição dos pés de Barion estava correta para o início do combate, mas ele não sabia se seria páreo para uma criatura aérea daquela magnitude. Mas ele era!
No primeiro rasante em direção ao cavaleiro, o dragão teve sua garganta cortada após uma esquiva perfeita, seguida de rolamento, no chão batido de terra. A espada, segurada firmemente na direção da fera, abriu o corpo durante o voo baixo, expondo os órgãos do dragão do pescoço até o peito. Deu pra ouvir o estrondo do impacto do dragão de muito longe.
Ele havia vingado Garônia, mas desta vez não havia aplausos ou plateia.
Sir Barion foi até a fera caída, descamou o que pode e voltou para Murada carregando a cabeça do dragão.
Ao chegar nos portões de murada, foi ovacionado por todos e recebido como herói. Nunca antes um cavaleiro havia enfrentado um dragão sozinho e vencido, ainda mais com um único golpe! A repercussão foi tanta que o próprio Rei escutou o conto e, como não podia ser diferente, convidou Sir Barion para uma audiência.
Sir Barion agora era um dos Cinco, escolhido a dedo na audiência real, apontado pelo próprio Rei! Será que alguma vez ele havia sonhado com tal feito? Agora não havia mais General Rosenberg, e sim "Sir Barion, o Matador de Dragões"!
Para uns, Sir Barion é o aniquilador de feras, andando pela cidade usando sua armadura verde de escamas de dragão e a sua espada larga, batizada de Matadora de Dragões, mas, para outros, ele vai sempre ser um velho amargo, que hoje tem tudo, menos com quem comemorar.